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Você sabe diferenciar as funções dos Conselhos de Classe, Sindicatos, Associações Médicas e a relação da saúde da população com o Ministério Público e Polícia Civil?

Publicado em

17/08/2022

Dr. Sergio Luiz Camara Lopes Júnior

 

Esta é uma dúvida recorrente entre os profissionais da área da saúde e entre a própria população - quem procurar e a quem recorrer quando houver necessidade?

De forma sucinta para definirmos melhor, primeiro é importante entender o que cada órgão tem como premissa básica.

Aos conselhos de classe, cabe orientar os profissionais sobre o exercício do seu ofício; zelar pela ética da profissão em todas as suas áreas de atuação; regular e fiscalizar os limites de atuação profissional; registrar, cadastrar e manter dados sobre os profissionais; e normatizar as diretrizes de cada profissão, tendo como foco a proteção dos interesses da sociedade (Zulmir Breda presidente do CFC). Cabe julgar recursos, procedimento ético e administrativo e mover, quando houver iminência de danos à sociedade, ações coletivas no âmbito jurídico e estimular o debate legislativo em pró da segurança da população. 

Os sindicatos têm como objetivo principal a representação e a defesa da respectiva classe profissional, principalmente em relação às condições de trabalho e à remuneração, horas extras, insalubridade, acordos e dissídios coletivos, etc. É uma entidade constituída para fins de proteção, estudo e defesa de interesses comuns.  

Já as associações são responsáveis por agrupar os profissionais de determinada área específica. Possuem um objetivo mais científico, promoção de conhecimentos, visam atualização e aprimoramento profissional. Promovem eventos e cursos e divulgam a área de trabalho promovendo a profissão e especialidade. 

Não é de hoje que a saúde da população está em risco. Programas governamentais de financiamento ao ensino superior facilitaram o acesso da população a cursos antes considerados inacessíveis à maioria dos brasileiros. Como consequência, a proliferação desenfreadas de diversos cursos na área da saúde, sejam eles de medicina, odontologia, farmácia, biomedicina, fisioterapia, enfermagem, bem como os próprios cursos técnicos como terapeutas e estetas, gerou um exército de profissionais em busca de mercado. 

Se outrora, a saúde da população era vista como prioridade, o que se observa no momento é a necessidade de desafogar esses inúmeros profissionais e criar mercados que justifiquem os lucrativos cursos de ensino superior, muitas vezes subsidiados com dinheiro público (através dos seus programas de incentivo e financiamento) trazendo à tona debates sobre a atuação das mais diversas profissões, em áreas que outrora se limitavam ao plano médico. 

Soma-se a isso, o por vezes “decadente” sistema de ensino superior que, salvo suas exceções, tem aceitado alunos já advindos de um ensino médio fraco, deficiente e que eventualmente acabam por liberar as universidades indivíduos que pouco compreendem linguagens e interpretações, tão pouco amadurecem nas grandes áreas da lógica e da ciência, tendo como consequência o aumento frequente da formação de profissionais pouco maduros e habilitados ao real mercado de trabalho ao qual se profissionalizaram. 

A ideia do texto não é gerar polêmica, uma vez que boas universidades, alunos e excelentes profissionais estão em todas as partes, mas de certa forma contextualizar, o que antes era acessível para apenas alguns aptos e capazes estudantes e também claro,  para alguns afortunados financeiramente, hoje se tornou acessível para uma grande parcela da população, tornando a entrada ao ensino superior cada vez menos rígida e por conseguinte a saída para a carreira profissional cada vez mais simplista. 

Os custos elevados a que se submetem os novos alunos, muitas vezes, não condizem com os salários por hora oferecidos no mercado de trabalho, e diferente dos concursos públicos aos quais conhecemos para cargos do judiciário por exemplo, a grande maioria dos concursos para as áreas da saúde, incluindo odontologia e medicina, são em sua maioria frustrantes, o que tem anualmente levado os diversos profissionais e conselhos a serem criativos e por vezes inconsequentes na criação e liberação de mercados que por vezes podem trazer consequências nefastas a população geral.

Soma-se ao isso a fraca representatividade da medicina junto ao poder legislativo, justamente a área que é o pilar estratégico e do exercício da saúde pública no país, que teve como consequência a descaracterização da “lei do ato médico”, a qual culminou com a errônea interpretação pelos legisladores que objetivava mais a reserva de mercado, do que o bem comum de proteção a saúde do indivíduo. 

A consequência foi a flexibilização de diversos conselhos de classe a avalizarem “atos profissionais” outrora escusos de suas atribuições, com o objetivo de ampliar os mercados de atuação e como inicialmente comentado, desafogar o excessivo número de profissionais formados.

Infelizmente, o “ato médico” foi delegado à livre interpretação de legisladores que, na sua imensa maioria, pouco entendem de saúde pública, da formação dos profissionais e suas reais atribuições, das consequências em se permitir que “atos técnicos” sejam realizados por profissionais cujas grades curriculares não abrangem o conhecimento global necessário a solucionar situações “não corriqueiras” àquele determinado ato.

Quem paga é a população, uma vez que, para qualquer procedimento em saúde, há a importante premissa de que o profissional e/ou a sua classe tenha sido habilitada em sua formação, a dar começo, meio e fim ao procedimento. Não é prudente por exemplo um farmacêutico se sentir apto a extrair dentes se não sabe cuidar das consequências de um sangramento vultuoso, ou de uma osteomielite maxilar por uma infecção pós extração, apenas porque o profissional se sentiu seguro em ter aprendido a extrair os dentes. Ou poderíamos citar um terapeuta técnico se sentir seguro em fazer uma auto-hemotransfusão ozonizada, pois aprendeu o procedimento e, em caso de uma contaminação e sepse ou até “choque” do paciente, o profissional não estar apto a solucionar uma possível consequência. 

E é dentro deste contexto, onde médico não especialista invade área de especialistas, onde terapeutas, biomédicos, farmacêuticos, dentistas, fisioterapeutas, enfermeiros, estetas todos querem a fatia do seu bolo, vemos cada vez mais profissionais se aventurando em empirismos, más práticas e no exercício ilegal das mais diversas profissões. 

De certa forma, ainda sou do tempo que prefiro resolver minhas questões de saúde com médicos, cirurgias com especialistas da área, tratar meus dentes com dentistas, reabilitar minhas lesões com fisioterapeutas, ser orientado fisicamente por educadores físicos, discutir minhas receitas e similaridades com o farmacêutico e confiar nos cuidados da enfermagem. 

Ainda acredito que essa foi a essência da separação das profissões, da existência de diferentes grades curriculares e o direcionamento da carga horária para a formação de cada profissional em tempos diversos, exigindo “times” desiguais para o amadurecimento de cada categoria. Vemos por exemplo a gritante diferença de formação de um cirurgião plástico com dedicação de no mínimo 11 anos de formação para se sentir apto a realizar uma rinoplastia em detrimento a outras profissões que, por vezes, almejam o direito a também realizar o procedimento como, por exemplo, a odontologia, biomedicina, e que por vezes gozam de quatro anos de formação. 

Ilustraria o que por vezes é algo tão básico na formação à qual me submeti (ainda que não seja perfeita), e se tornam erros grotescos e primários em outras profissões que se aventuram a realizar procedimentos por nós considerados complexos. Porém, creio que foge ao escopo. A ilustração por imagens geraria ojeriza, causaria mais polêmica do que o texto irá gerar, e desestimularia o debate, que é algo importante para esse momento. 

A questão máxima e óbvia não está na parte técnica em si - afinal, como diz o ditado, “até macaco ensinado opera” -, mas sim no fato de que, diante um problema, uma complicação, ou algo que saiu do eixo, a quem vou recorrer? A outro profissional da minha classe? Ou preciso de um suporte ao qual minha formação acadêmica não me capacitou e não consta em nossa grade curricular?

Ou seja, um educador físico não é um fisioterapeuta, um psiquiatra não é um psicólogo, um enfermeiro não é um biomédico, um dentista não é um médico e tão pouco o médico é formado para desempenhar todas as funções desses demais profissionais. Jamais iria a um médico tratar meus dentes, pois creio que existe a profissão direcionada a isso, bem como jamais também faria uma rinoplastia com um dentista, cirurgia que só começa a amadurecer a um cirurgião plástico depois de 11 anos de formação.

Contextualizado o atual cenário, diversas são as confusões a qual órgão recorrer quando tenho dúvidas quanto ao exercício profissional e suas atribuições, quem regula qual profissão, qual a função dos conselhos, sindicatos e associações. Confesso que embora tenha tentado me aprofundar no tema por diversas vezes, diferentes interpretações e termos técnicos confusos e pouco claros, dificultam a população leiga, como os próprios profissionais de saúde a procurar pelos órgãos responsáveis.

À polícia e ao Ministério Público, cabem as denúncias sempre que houver danos ou risco, conforme os artigos que serão citados abaixo.

Tentarei ser claro definindo que, no Código Penal Brasileiro, existem diversos artigos previstos em crimes contra a saúde e crimes contra a pessoa, dos crimes contra a vida, das lesões corporais e da periclitação da vida e da saúde tais quais:

 

- Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica

- Charlatanismo

- Curandeirismo

- Homicídio simples ou qualificado

- Lesão corporal e suas variações com qualificadas, seguidas de morte...

- Perigo para a vida ou saúde de outrem

 

Todas essas situações são previstas no Código Penal Brasileiro e quando existir possíveis prática dessas ilegalidades ou de situações que exponham ao risco à saúde de terceiros, existem órgãos responsáveis e até especializados, aos quais cabe investigar e dar seguimentos a possíveis sanções e penas legais. 

Na vigência de tais transgressões, o indivíduo ou os próprios profissionais devem procurar diretamente o Ministério Público ou a própria Polícia Civil, que possui um departamento especializado de Núcleo de Crimes contra a Ssaúde (Nucrisa).

E por que devo ou não devo procurar por exemplo o conselho de classe, ou o sindicato ou mesmo as associações nesses casos?

Pois bem, embora os conselhos de classe e sindicatos detenham poder de polícia, o que de certa maneira lhes dá o direito a aplicar sanções àqueles que transgridem os seus normativos e até cassar o direito ao exercício da profissão, como solucionar o problema quando, às vezes de forma sinérgica, outras de forma conflitante, diversos conselhos permitem que seus profissionais exerçam as mesmas práticas?

E quando sequer a lei que regulamenta as profissões deixa claro seus limites, muitas delas estabelecendo a prática profissional, a atos pertinentes ao que o conselho de cada profissão determina, de acordo com o conhecimento adquirido no curso regular ou pós graduação.

Já a Constituição de 1988 descreve em seu Art. 5º que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”; porém, as qualificações e leis muitas vezes são direcionadas e sugeridas pelas normas dos próprios conselhos.

Tais situações infelizmente dificultam a aplicabilidade do poder de polícia, principalmente no que concerne às áreas da saúde, tornando os conselhos quase que órgão para fiscalizar os próprios profissionais a eles associados, como o CRM para médicos, CRO para dentistas, CRF para farmacêuticos, etc. 

A formalização de denúncia junto aos conselhos é acessória, porém válida, haja vista que a reunião de diversas situações danosas ocorrendo repetidamente, servem de auxílio e documentos para que medidas maiores sejam tomadas junto aos legisladores e órgãos competentes. As ações civis públicas, impetradas por conselhos e o próprio debate público junto aos legisladores, por vezes surgem alguns efeitos. Porém são morosas, demandam robusta comprovação, esbarram em interesses privados e de classes, além de deparar muitas vezes com a falta de interesse político em entrar em atrito com essa ou aquela classe. 

Há no momento a necessidade de criação de limites e leis mais claras e determinantes que justifiquem a separação das profissões. Ou do contrário a união e equivalência das grades curriculares, disciplinas e carga horária tornando de fato outros profissionais aptos a exercerem atividades parecidas. A própria hierarquização dos conselhos, ainda que de forma respeitosa às demais profissões, deveria ser tema de debate, afinal, no fim das contas, quando a “coisa não vai bem”, a quem todos os profissionais da área da saúde e os pacientes recorrem?

Tal debate é de suma importância; mantendo-se o devido respeito entre as diversas classes, o objetivo jamais é criar polêmicas. Problemas e erros ocorrem em todas as esferas, a imperfeição faz parte da humanidade; porém, a capacitação técnica adequada, o amadurecimento durante a formação, o treinamento por tempo suficiente visam justamente minimizar situações que poderiam, porventura, serem previstas.  

Enquanto isso não ocorrer, infelizmente continuaremos a ver o aumento constante de iatrogenias na área da saúde. E quem continuará a pagar o alto custo disso, ainda é a população.

 

Dr. Sergio Luiz Camara Lopes Júnior

- Médico Cirurgião Plástico CRM-Pr 20.919 RQE 399

- Pós-graduado em Cirurgia Crânio Maxilo Facial

- Membro da SBCP Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

- Membro da ASPS American Society of Plastic Surgery 

- Membro da ABCRC Associação Brasileira de Cirurgia Restauração Capilar

Folículo - Edição 25

Fonte:

ABCRC

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