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Técnica híbrida (FUE+FUE): uma nova abordagem na obtenção de unidades foliculares no retalho FUT

Publicado em

05/04/2022

Técnica híbrida (FUE+FUE): uma nova abordagem na obtenção de unidades foliculares no retalho FUT

 

Autores:

1.Paulo Henrique Miranda Ribeiro – Cirurgião Plástico especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e membro da Associação Brasileira de Cirurgia da Restauração Capilar

2. Lívia Arroyo Trídico - Dermatologista especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e Professora colaboradora no Serviço de Dermatologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP. 

 

Introdução:

A perda dos cabelos afeta homens e mulheres e traz um impacto psicossocial para muitas pessoas, comprometendo o bem-estar psicológico. Os cabelos fazem correlação direta com a autoestima, uma vez que estão associados à juventude, vitalidade e saúde. A perda de densidade capilar é um dos sinais de envelhecimento que mais demonstram correlação direta com a autoestima e autovalorização [1]. Sendo assim, a cirurgia da restauração capilar se tornou um procedimento estético popular, sendo uma das cirurgias estéticas mais frequentemente realizadas em homens [2].  

Atualmente existem duas abordagens cirúrgicas para remoção das unidades foliculares (ufs):  a cirurgia em faixa, conhecida como transplante de unidades foliculares (em inglês follicular unit transplantation FUT) e a excisão de unidades foliculares (follicular unit excision FUE). A FUT envolve a retirada de uma tira de couro cabeludo da área doadora e sua dissecação em pequenas unidades foliculares sob um estereomicroscópio (aumento de 10X). Na FUE, por outro lado, enxertos foliculares individuais são colhidos com a ajuda de punches manuais ou motorizados [3, 4]. Não existem estudos que comparem a superioridade de uma técnica a outra, pois ambas são tecnicamente exigentes, sendo necessário conhecimento profundo do processo de restauração capilar e expertise do cirurgião. A técnica FUE é mais popularizada devido à ausência de cicatriz linear, embora a área total de cicatrizes seja muito maior que a área da cicatriz da cirurgia em faixa [2,4]. 

As principais vantagens da técnica FUE são a presença de cicatriz menos visível, período de recuperação mais curto, necessidade de menos equipamentos e uma equipe de assistentes reduzida (em comparação à dissecção estereomicroscópica realizada na FUT), preparação mínima dos enxertos, menos risco de sangramento e injúria nervosa e possibilidade de ser feita em casos de couro cabeludo mais estreito. As desvantagens da FUE incluem uma longa curva de aprendizado, maior taxa de transecção do enxerto e maior área doadora envolvida [3].Já a técnica FUT realiza a remoção de unidades foliculares intactas da faixa doadora, permitindo a utilização de maior quantidade de folículos viáveis em uma pequena faixa doadora, embora exija mais equipamentos microscópicos e equipe, além da presença da cicatriz linear na área doadora [5]. 

Dessa forma, buscamos com o presente trabalho, relatar a associação das duas técnicas FUE e FUT em um mesmo ato cirúrgico, explorando as principais vantagens das duas técnicas: menor cicatriz possível com a técnica FUE e maior aproveitamento de unidades foliculares por área com a técnica FUT. Na nossa sistemática, a forma de obtenção das unidades foliculares no retalho FUT será feita por punches (assim como na FUE) ao invés da dissecção microscópica tradicional. Desta forma, realizamos a técnica FUT sem a necessidade de uma grande equipe de assistentes, que exige capacidade de dissecção do enxerto em microscópio.

 

Relato do caso:

Em um paciente submetido à cirurgia de transplante capilar para tratamento de alopecia androgenética, delimitamos a área doadora total situada na região posterior do couro cabeludo de 16 cm por 10cm, totalizando 160 cm2. Dessa forma, estimando a densidade folicular média de 65 folículos por cm2, calculamos a presença potencial de 10.400 folículos na área doadora (ie. em  160 cm2).  Nesta área desenhamos um fuso de 14 cm por 1,5cm para exérese do retalho, assim como na técnica FUT, totalizando 21 cm2, e deixando o restante (139 cm2) para realização da técnica FUE. Sendo assim, na área doadora de 160 cm2, utilizamos 21 cm2 para exérese em fuso e 139 cm2 para a técnica FUE. 

Após sedação do paciente, realizamos assepsia local e tricotomia da área delimitada como área doadora (16x10cm). Realizamos infiltração local com lidocaína 1% com epinefrina injetada na área delimitada. 

A extração das unidades foliculares do fuso demarcado é realizada com punch de 1 mm como na técnica FUE, com aproveitamento próximo a 100% das unidades foliculares. Sendo assim, estimando 65 unidades foliculares por cm2 de densidade folicular média, a quantidade de unidades foliculares viáveis nessa área do fuso (21 cm2) foi de 1.365. Em seguida, retiramos o fuso e realizamos a sutura tricofítica, assim como na técnica FUT (área retirada de 21 cm2). O procedimento prossegue com a técnica FUE no restante da área (139 cm2) com punch de 1 mm. A fim de evitar a aparência de “roído de traça” na área doadora e permitir boa cicatrização por segunda intenção, retiramos 30% das ufs dessa área. Dessa forma, em uma área estimada de 9.035 ufs (65 ufs por cm2 em 139 cm2), retiramos 2.710 unidades foliculares (30%). 

Somando as unidades foliculares das duas áreas (1.365 na área do retalho com extração em punche 2.710 na área FUE) e desprezando-se a taxa de transecção, foi possível obter uma média estimada de 4.075 unidades foliculares associando-se as duas abordagens. Caso fosse realizado apenas a técnica FUE tradicional, a quantidade de unidades foliculares estimada, desprezando-se a taxa de transecção, seria 3.120 (30% de 10.400 unidades foliculares em 160 cm2). Associando-se as duas técnicas nessa área foi possível obter uma média estimada de 955 unidades foliculares a mais, ou seja, otimizamos o resultado geral em 30%.


Discussão:

A evolução do transplante capilar tem sido guiada e descrita como “busca em obter a maior densidade capilar associado a aparência natural” [6,7]. A remoção de unidades foliculares da área doadora envolve expertise por parte do cirurgião. Na última década houve um aumento da tendência da técnica FUE, principalmente devido à falta de equipe qualificada para dissecção das unidades foliculares e equipamentos, embora muitos cirurgiões apresentem habilidade para tal. Os pacientes que usam cabelo curto ou que querem evitar a cicatriz linear são bons candidatos para FUE [8,9]. 

Tanto a FUE como FUT reduzem a área doadora, porém de maneiras diferentes. A FUT reduz a altura da área doadora enquanto a FUE reduz a densidade total através da extração em “apanhar de cerejas” [2]. A técnica FUE não é um procedimento simples, pois exige curva de aprendizado, paciência e excelente coordenação de mãos e olhos, além disso, a ressecção de unidades foliculares deve ser limitada a menos de 35% da densidade total a fim de garantir uma adequada cobertura da área doadora, evitando-se a aparência de “roído de traça” [2,10]. Por isso, limitamos a extração a 30% da área doadora de FUE, buscando obter boa aparência e cicatrização da região. 

A técnica FUT procura levar os fios de cabelos da área doadora para a região receptora minimizando o trauma aos folículos nesse processo, removendo mais unidades foliculares em área doadora menor [7]. Dessa forma, com um aproveitamento próximo a 100% das unidades foliculares em uma área FUT pequena, é possível aumentar a quantidade de unidades foliculares viáveis e garantir mínima cicatriz linear. Entretanto, a técnica FUT tradicional demanda uma equipe muito bem treinada, pois exige boa desenvoltura ao microscópio das assistentes, trazendo necessidade de maior tempo de treinamento e custo de manutenção de equipe. Por essas razões, atualmente poucas equipes realizam a técnica FUT. 

Recentemente, a colega Sharon Keene relatou a mesma técnica de usar o método FUE para colher unidades foliculares de dentro de uma área pré marcada de uma elipse linear planejada, denominando o método “follicular unit excision-linear elipse (FUE-LE)”.  Em seu trabalho, o fuso removido foi de 1 cm por 20 cm, totalizando 20cm2 de uma área para extração de todas unidades foliculares pelo método FUE a fim de obter maior número de ufs colhidas pelo método FUE [11,12].

Os autores deste artigo desenvolveram sua sistemática, aqui descrita, sem ter conhecimento dos trabalhos de Keene. Nosso objetivo foi de aproveitar as vantagens de ambas as técnicas. Ao realizar a exérese em faixa em área bem pequena (14 cm2) conseguimos tornar mais rápido e fácil a extração das unidades foliculares com uma equipe reduzida ao realizar a extração por punch ao invés da dissecção microscópica tradicional da técnica FUT. No mesmo procedimento cirúrgico realizamos duas técnicas e deixamos a menor cicatriz possível. Nesse caso, houve aproveitamento médio de 30% a mais das unidades foliculares, porém esse valor é uma estimativa e tende a variar de acordo com a área doadora e variáveis de técnica, tais como densidade capilar, taxa de transecção, percentual de extração das unidades pela técnica FUE, entre outros.

 

Conclusão:

A associação das técnicas de transplante capilar FUE tradicional e FUE no retalho FUT em uma mesma área doadora possibilitou utilizar os pontos positivos de cada abordagem e minimizar os pontos negativos a fim de obter maior quantidade de unidades foliculares para área receptora e garantir boa aparência da área doadora, além de possibilitar o aproveitamento das unidades foliculares do retalho FUT com uma equipe reduzida através da extração em punches pela técnica FUE. 

 

Fotos:

   

    

     

     

     

    

 

Referências bibliográficas:

1- Collins K, Avram MR. HairTransplantationandFollicular Unit Extraction. DermatolClin. 2021 Jul;39(3):463-478.

2- HumayunMohmand M, Ahmad M. EffectofFollicular Unit ExtractionontheDonorArea. World J PlastSurg. 2018 May;7(2):193-197.

3- Sharma R, Ranjan A. Follicular Unit Extraction (FUE) HairTransplant: Curves Ahead. J Maxillofac Oral Surg. 2019 Dec;18(4):509-517.

4- Radwanski HN, Ruston A, Lemos RG. Transplante capilar: Arte e Técnica. São Paulo: Roca, 2011. 

5- Rassman WR, Bernstein RM, McClellan R, Jones R, Worton E, Uyttendaele H. Follicularunitextraction: minimallyinvasivesurgery for hairtransplantation. DermatolSurg. 2002 Aug;28(8):720-8.

6- Harris JH, Marritt E. Surgicaloptions. In: The hairreplacementrevolution. Garden City Park (NY): Square OnePublishers; 2003. p. 91 – 130

7- Harris JA. Follicularunittransplantation: dissectingandplantingtechniques. Facial PlastSurgClin North Am. 2004 May;12(2):225-32.

8- Jimenez F, Ruifernandez JM. Distributionofhumanhair in follicularunits. A mathematicalmodel for estimatingthedonorsize in follicularunittransplantation. DermatolSurg1999;25:294-8. 

9- Yaprohm P, Manonukul J, Sontichai V, Pooliam J, Srettabunjong S. Hairfolliclecount in Thaipopulation: a studyonthevertexscalparea. J MedAssocThai2013;96:1578-82

10- Harris JA. Follicular unit extraction. Facial Plast Surg Clin North Am. 2013 Aug;21(3):375-84.

11- Keene SA. Follicular Unit Excision-Linear Ellipse (FUE-LE): A New Way to Add the Linear Ellipse Donor Harvesting Method to Any FUE Practice. Hair Transplant Forum International January 2022, 32 (1) 1-7. 

12- Keene, S. Transitioning your practice to include both linear strip excision and FUE donor harvesting. In: S. Lam, K. Williams (eds) Hair Transplant 360. Jaypee Brothers Medical Publishers, New Dehli, 2022.

 

Folículo - Edição 24

Fonte:

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